04 setembro 2012

Interceptação telefônica no processo civil: admissibilidade excepcional

A Lei nº 9.296/96 autoriza a realização de interceptação telefônica no âmbito penal, desde que a ordem emane de juiz competente e tenha sido requerida pela autoridade policial (na investigação criminal) ou pelo representante do Ministério Público (tanto na investigação quanto na instrução penal). Para tanto, o requerente deve demonstrar indícios razoáveis de autoria ou participação na infração, a excepcionalidade da interceptação e que o fato investigado constitua infração punida com pena de reclusão.

Percebe-se claramente que a intenção do legislador foi permitir essa medida excepcional – que também pode atingir o fluxo de comunicações em sistemas de informática – apenas para o ambiente penal, em sede de procedimento investigatório ou em juízo.

No entanto, em julgado de 2011 (HC 203.405-MS) o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a medida também pode ser aplicada ao processo civil. No caso concreto, o juiz da 4ª Vara de Família de Campo Grande autorizou a quebra de sigilo telefônico de um pai que ocultou o filho menor, frustrando as várias ordens de busca e apreensão emanadas daquele juízo. O tribunal fundamentou que, embora a discussão se dê em âmbito cível, há fortes indícios também da prática do delito previsto no art. 237, do ECA.

O caso chegou ao STJ porque os responsáveis pelo cumprimento da ordem do juízo de primeiro grau questionaram a possibilidade de aplicação da Lei nº 9.296/96 no processo civil. Receosos de que sua recusa pudesse incorrer em crime de desobediência, impetraram habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que negou a ordem sob o argumento de que a interceptação na seara extrapenal é possível, “quando nenhuma outra diligência puder ser adotada, mormente quando há possibilidade de se averiguar o possível cometimento do delito disposto no art. 237, do ECA”.

Ponderou, ainda, que se de um lado está o direito à intimidade daqueles que terão seu sigilo quebrado, de outro existe a necessidade de se resguardar o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária do menor.

O Superior Tribunal de Justiça negou a ordem por entender que não há nenhum indício de que a liberdade dos impetrantes estivesse ameaçada. Além disso, embora nobres os argumentos que inspiraram o HC, a medida adotada pelos pacientes resguardava direito de terceiro, ou seja, do pai que oculta o filho e se recusa a cumprir as ordens de busca e apreensão.

Porém, o que mais interessa neste ensaio é a decisão do STJ que reconheceu a possibilidade de aplicação da interceptação telefônica no âmbito cível, utilizando-se do argumento de que “há que se proceder à ponderação dos interesses constitucionais em conflito, sem que se possa estabelecer, a priori, que a garantia do sigilo deva ter preponderância”.

Ao adotar esse posicionamento o STJ acolhe tese levantada por Luiz Guilherme Marinoni desde o início da década de 1990, quando defendia a aplicação do princípio da proporcionalidade, surgido no direito alemão, para justificar a admissão de provas ilícitas no processo, desde que dois direitos dignos de tutela estivessem em colisão. Defende o processualista que em casos tais impõe-se um “balanceamento dos valores em jogo”, para que o dogma da inadmissibilidade absoluta das provas ilícitas (art. 5º, LVI, CF) não prejudique outros direitos igualmente garantidos na Constituição.

Nos termos defendidos por Marinoni, a aceitação de uma prova ilícita depende de um fator preponderante: “ser o único meio de realização de valores dignos de proteção em confronto de outros também merecedores de tutela, como, por exemplo, o direito à intimidade”. Trata-se, em suas palavras, de um estado de necessidade processual (In: Novas linhas do processo civil, RT, 1993, p. 169-170).

A decisão do STJ está em consonância com a tese, embora não se discuta a licitude da interceptação, garantida pela Lei nº 9.296/96. O que se poderia discutir é sua aplicação no processo civil, mas não havendo outro meio disponível para a descoberta de informações, a medida extrema se impõe. Ademais porque no caso concreto há a necessidade de ponderar dois valores constitucionalmente garantidos: o direito à intimidade do pai e os direitos fundamentais do menor.

Nessa ponderação deve-se levar em conta que o Estado deve promover, com prioridade absoluta, a proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente (art. 227, CF). Logo, no caso em análise, é um valor que deve prevalecer ao da preservação da intimidade.

Essa realidade pode parecer estranha aos mais acostumados com o formalismo do direito processual. No entanto, uma interpretação sistemática de todo o fenômeno legitima essa possibilidade. Aliás, é uma tendência no processo civil brasileiro, porque o Projeto do novo CPC acolhe a possibilidade de admitir-se até mesmo a prova ilícita em caráter excepcional: “A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz á luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos” (parágrafo único, art. 257).

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