24 junho 2011

Críticas ao Projeto do novo CPC (ou o fim do conto de fadas!)

A conclusão do Projeto para um novo CPC foi cercada de muita euforia e entusiasmo, mas esse sentimento parece estar diminuindo a passos largos.

Todos que trabalham com o Direito, tanto acadêmicos quanto profissionais, sabem que o problema da morosidade judicial não está ligado unicamente à legislação. É certo que em muitas situações o CPC não colabora com a duração razoável do processo, mas sua modificação ou substituição não fará com que o processo civil brasileiro seja célere. Esse problema tem raízes mais profundas, especialmente ligadas à falta de estrutura do Judiciário (que não consegue acompanhar em estrutura o desenvolvimetno da sociedade brasileira), à mentalidade demandista do brasileiro (aqui também incluídos advogados, juízes e integrantes do MP), dentre outros motivos. 

As inúmeras reformas do CPC - desencadeadas a partir de 1994 - modernizaram sobremaneira nossa legislação, ao mesmo passo em que dificultaram a compreensão do Código enquanto sistema por criar uma "colcha de retalhos" em seu texto. Particularmente, tive a impressão de que em alguns casos faltariam letras do alfabeto para contemplar as modificações!

Essas alterações foram extremamente úteis, mas não causaram o efeito esperado, porque os problemas de fundo, aqueles que somente podem ser resolvidos com a mudança de mentalidade dos responsáveis pelas soluções, não foram atacados diretamente. Continuamos a ter um Judiciário lento, que não consegue ser eficiente.
A proposta de um Novo CPC foi encarada como a solução para todos os males - assim como o Biotônico Fontoura e a pomada Minâncora em outros tempos. Doce ilusão!

Ao contrário, pode ser um instrumento perigoso porque dá ao Judiciário ferramentas poderosas que, num cenário diferente, poderiam ser muito úteis à efetividade da prestação jurisdicional. Porém, na realidade brasileira, as condições de trabalho não permitirão ao Judiciário o exercício razoável de seus "novos" poderes. Um risco à segurança jurídica.

No último dia 20 de junho, num encontro realizado na FIESP, as cartas foram postas à mesa como ainda não haviam sido. Aliás, diga-se de passagem, uma reação típica da tradição brasileira, porque só vieram agora porque o CPC não foi aprovado em razão da lentidão do Congresso, que tem questões mais importantes para discutir, como o misterioso Código Florestal ou a briga pelo valor do salário mínimo. Nessa caso, a lentidão vai propiciar um debate tardio, mas importante.

Para não ser demasiadamente longo, sugiro a leitura da reportagem de Marília Scriboni, para o Consultor Jurídico (clique aqui).

Em síntese, finalmente alguém teve a coragem de dizer que o CPC não resolverá os problemas que hoje temos, dentre outras coisas, se a estrutura responsável pelo processo, por seu "impulso oficial" não for modernizada. Essa é uma constatação que Francesco Carnelutti já havia feito na metade do século XX:

“(...) Os interessados, ou seja, entre os técnicos do processo, juízes, advogados e partes, têm a consciência de que o mecanismo funciona mal. Esta consciência aflora ocasionalmente nos ambientes legislativos, mas quase nunca parece que houve outra coisa a fazer a não ser modificar as leis processuais, sobre as quais costuma-se colocar a responsabilidade do mau serviço judiciário, para empregar uma palavra que já entrou no uso corrente. Também ouvimos falar em reformas urgentes do Código de Procedimento Penal e do Código de Procedimento Civil, e todos parecem acreditar não apenas que com estas reformas o Estado tenha cumprido seu dever, como também que dessas reformas surgirão, Deus sabe como, melhorias na administração da justiça. Tenho o dever de desenganar o público a quem me dirijo, dissuadindo-o de cultivar estas que não seriam esperanças, mas verdadeiras ilusões. Certamente, nossas leis processuais não são perfeitas, mas, em primeiro lugar, são bastante menos más do que se diz; em segundo lugar, se bem que fossem muito melhores, as coisas não andariam melhor, pois o defeito está, muito mais do que nas leis, nos homens e nas coisas.”

Esse é um trecho da obra "Como se faz um processo", que versa sobre a realidade italiana . É uma obra composta de 15 capítulos e escrita em linguagem simples para o leigo. Foi uma compilação de vários programas de rádio que Carnelutti fez à época.

Aguardemos o desenrolar da discussão. O certo é que o conto de fadas já não é tão bonitinho!

22 março 2011

Resenha literária

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 1442 p.

O primeiro contato que tive com a obra do Prof. Elpídio Donizetti foi em junho de 1999, quando ministrava aulas numa instituição do interior goiano. Ao falar sobre o tema “citação ficta no procedimento monitório”, mencionei que poucos autores tratavam do tema, quando uma aluna me mostrou a primeira edição do Curso didático, ainda publicado pela Del Rey. Alguns dias depois recebi um exemplar devidamente autografado, porque a aluna em questão era sobrinha do então juiz de direito, hoje desembargador do TJMG.
Desde então a obra só cresceu. Não somente em quantidade de páginas (a primeira edição tinha 592), mas especialmente em profundidade.
Como livro didático, enfrenta tarefa difícil: cuidar num só volume da extensa matéria de direito processual civil em linguagem acessível para o aluno da graduação, cuidando por outro lado de manter a profundidade científica necessária para sustentar os posicionamentos conflitantes da doutrina e jurisprudência. Faz isso com absoluta clareza, sem receio de inovar ou adotar posicionamentos por vezes minoritários.
A obra está dividida em cinco partes, acompanhando a sequência do CPC: Parte I – Teoria Geral do Direito Processual Civil, Parte II – Processo de Conhecimento, Parte III – Processo de Execução, Parte IV – Processo Cautelar e Parte V – Procedimentos Especiais.
O texto, como dito acima, é claro e enfrenta questões polêmicas, trazendo no rodapé das páginas as fontes doutrinárias e jurisprudenciais utilizadas pelo autor e que servem de indicativo ao leitor para leituras complementares. Mas não abusa dessas informações que podem tornar o texto confuso e cansativo.
O livro também é dotado de atrativos importantes ao final dos capítulos, contemplando “quadros esquemáticos” (totalizando 98) que sintetizam a abordagem feita e servirá para consultas rápidas. Além disso, o autor seleciona “jurisprudência temática” relativa ao assunto do capítulo e questões objetivas de concursos para as importantes carreiras jurídicas (juiz do trabalho, juiz federal, juiz de direito, promotor de justiça, defensor público e OAB). Nessas questões o autor não se limita a indicar a alternativa a ser assinalada, mas apresenta justificativa para a escolha.
Embora um livro de processo civil em volume único possa carregar alguma desconfiança em torno de sua qualidade, não é o caso desse Curso didático, pois reúne características essenciais para ser adotado em universidades de todo o país, sem deixar de atender os alunos naquilo que lhes é mais importante nos bancos da graduação.

* Resenha publicada na Revista Brasileira de Direito Processual - RBDPro, nº 72, out/dez 2010.