29 agosto 2012

A limitação ao litisconsórcio multitudinário

O litisconsórcio facultativo, aquele condicionado à conveniência do autor, é disciplinado no art. 46 do CPC, que exige para sua configuração: a comunhão de direitos ou obrigações relativas à lide; que os direitos ou obrigações derivem de um mesmo fundamento de fato ou direito; a conexão entre as causas pelo objeto ou pela causa de pedir; a afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.

Ao permitir a pluralidade com certa facilidade, o legislador pretendeu valorizar a economia processual, evitando que inúmeras ações sejam propostas para o julgamento de questões que podem ser decididas por sentença única. Privilegia-se a celeridade, dando cumprimento à garantia constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).

Não quer dizer, no entanto, que a formação do litisconsórcio facultativo (ativo ou passivo) sempre atenderá ao ideal do legislador. Imaginemos uma ação em que figurem como réus cinqüenta pessoas, cada uma delas com procurador distinto. Provavelmente haverá entraves procedimentais que não atenderão aos critérios de celeridade esperados. Trata-se do conhecido litisconsórcio multitudinário, expressão cunhada por Dinamarco para indicar a possibilidade de uma verdadeira “multidão” ocupando um dos pólos da ação.

Em casos assim, o próprio art. 46 do CPC, em seu parágrafo único, permite ao juiz da causa limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes quando este “comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa”.

É certo que desde o despacho da inicial deve o juiz atentar-se para a conveniência do litisconsórcio facultativo, mas deve fazê-lo de ofício apenas pelo fundamento da celeridade. Isso decorre da própria redação da segunda parte do dispositivo mencionado: “O pedido de limitação interrompe o prazo para a resposta, que recomeça da intimação da decisão”.

Assim, nos casos de limitação do litisconsórcio em sendo considerada a dificuldade para a defesa a iniciativa é dos réus, não podendo o juiz reconhecê-la de ofício, o que lhe daria a condição de “questão de ordem pública”, classificação que entendemos cabível apenas aos temas relacionados às condições da ação e aos pressupostos processuais. Nesse sentido decide o STJ, como no REsp. nº 600.156-PR. 

Pensando assim, o requerimento deve anteceder a resposta, porque seria ilógico alegar dificuldade de defesa e ao mesmo tempo apresentá-la ou apresentá-la logo em seguida (preclusão lógica). Injustificável até mesmo porque o prazo será interrompido, não trazendo qualquer prejuízo aos sujeitos passivos.

Outra questão importante refere-se ao momento limite para que o juiz da causa tome a decisão de limitar o litisconsórcio facultativo. Se desde o despacho deve estar atento à garantia da duração razoável do processo, qual seria o limite procedimental para essa tomada de decisão? Poderia o juiz fazê-lo a qualquer momento? Entendemos que não, embora o CPC seja omisso nesse aspecto e a doutrina pouco se preocupe com o tema.

Parece razoável concluir que a celeridade não é justificativa absoluta, que autorize decisão a qualquer tempo, nem é absoluto pensar que sempre a limitação do litisconsórcio multitudinário será benéfica.

Na hipótese de limitar o litisconsórcio facultativo ativo para dar celeridade ao feito não é necessária a manifestação do sujeito passivo. Portanto, entendemos que pode o juiz fazê-lo antes da citação do réu, pois já tem condições de verificar as dificuldades causadas pela presença de múltiplos autores.

Quanto ao litisconsórcio facultativo passivo, pode o juiz limitá-lo desde o despacho inicial sob o fundamento da celeridade. Mas, sob o argumento da dificuldade de defesa, deve aguardar a alegação por parte dos réus e respondê-la de imediato, permitindo que se recomece a contagem do prazo para a contestação.

Uma última hipótese é possível: a percepção do juiz de que o litisconsórcio prejudica a celeridade do feito somente após o recebimento da contestação.

Em casos tais, nada impede a limitação, embora exija do juiz uma fundamentação mais rigorosa. Porém, a decisão deve vir num momento tal que não piore a situação dos envolvidos, porque a exclusão de litisconsortes gera a propositura de nova ação, podendo essa solução ser pior do que a manutenção do litisconsórcio multitudinário.

Parece adequado que o juiz não deixe ser ultrapassada a fase de saneamento do processo para manifestar-se sobre o tema. Após isso, qualquer decisão limitadora do litisconsórcio até pode contribuir com a celeridade, mas trará prejuízos ainda maiores aos envolvidos, especialmente ao seu direito à tutela jurisdicional efetiva.

21 agosto 2012

Sobre a aplicação do art. 273 do CPC em questões possessórias

O Código de Processo Civil destina um capítulo próprio para as ações possessórias (arts. 920 a 933), prevendo procedimentos especiais para os casos de manutenção e reintegração de posse e para o interdito proibitório. Para os dois primeiros casos (manutenção e reintegração), a adoção desse rito especial está condicionada à presença da posse nova, isto é, aquela não superior a ano e dia (art. 924). No mesmo dispositivo o CPC determina que para as hipóteses de posse velha deve ser adotado o procedimento ordinário, não perdendo, porém, o caráter possessório. Não há dúvida, apesar da omissão do dispositivo, que o procedimento sumário também pode ser adotado, dependendo do valor da causa (art. 275, I).

Se for caso de adoção de um dos procedimentos especiais (posse nova), o legislador previu a concessão de liminar, desde que na petição inicial o autor demonstre: a sua posse, a turbação ou esbulho praticado pelo réu, a data da turbação ou do esbulho, a continuação da posse na ação de manutenção ou a perda da posse na ação de reintegração (art. 927).

Quando foi criado em 1973, o CPC remetia para o procedimento ordinário os casos em que o legitimado ativo deixava escoar o prazo de ano e dia sem tomar nenhuma providência. Perdia, portanto, o direito a um procedimento mais célere e à tutela concedida liminarmente, já que não havia essa hipótese no procedimento comum.

Com a generalização da técnica antecipatória pelo art. 273 a partir das reformas de 1994, todas as ações de conhecimento podem receber decisões liminares, desde que preenchidos os requisitos exigidos por esse dispositivo. Assim, até mesmo em sede de ações ordinárias para discussão da manutenção ou reintegração de posse velha tem lugar a tutela antecipada, não havendo em nosso sentir nenhum argumento para excluir esse raciocínio.

Assim, identificamos dois tratamentos diversos quanto aos requisitos para a liminar possessória: se estivermos lidando com o procedimento especial, basta a demonstração do que é exigido pelo art. 927, que em termos comparativos com os requisitos do art. 273 correspondem à prova inequívoca e à verossimilhança da alegação, presumindo-se o perigo da demora por se tratar de posse nova. Mas, para a antecipação da tutela em rito ordinário (posse velha) deverá o autor demonstrar também o receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, inciso I).

É a posição da doutrina majoritária: “O que varia, conforme tenha ou não passado ano e dia, é o procedimento, ou melhor, são as técnicas processuais cabíveis para tutela do direito à posse. Atualmente, o que varia é apenas o emprego da técnica antecipatória, que, quando passado ano e dia, exige, além dos requisitos do art. 927 do CPC, a demonstração de uma situação de urgência” (MARINONI e ARENHART, Procedimentos especiais, RT, p. 95).

Mas num julgado recente o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aplicou entendimento restritivo em ação de reintegração de posse em trâmite pela comarca de Paraty. No caso concreto discute-se a posse de uma fazenda cuja disputa teve início em 1983. Em primeiro grau o juiz concedeu a tutela antecipada porque presentes os requisitos do art. 273, caput e inciso I, do CPC. Em agravo de instrumento a 15ª Câmara Cível do TJRJ revogou a tutela por entender que “a liminar de cunho satisfativo só pode ser concedida quando a demanda possessória for aforada no prazo de ano e dia, de acordo com o art. 924 do CPC”. Tal decisão originou Recurso Especial para o STJ com fundamento nas alíneas "a" e "c", do art. 105, III, da CF.

Ao dar provimento ao REsp. nº 1.194.6489-RJ o Superior Tribunal de Justiça aplicou entendimento da melhor doutrina, além de precedentes do próprio tribunal, determinando que “(...) É possível a antecipação de tutela em ação de reintegração de posse em que o esbulho data de mais de ano e dia (posse velha), desde que presentes os requisitos que autorizam a sua concessão, previstos no art. 273 do CPC, a serem aferidos pelas instâncias de origem”.

Frise-se que o recurso não decidiu se os requisitos para o deferimento da tutela antecipada estavam presentes, o que configuraria uma decisão sobre a justiça da decisão, matéria fática que escapa às hipóteses de Recurso Especial. No caso em análise, o STJ deu provimento ao recurso por entender que a decisão do TJRJ violou diretamente um dispositivo da lei federal (art. 273, CPC), interpretando-o também de forma divergente em relação a outros tribunais, inclusive o próprio Superior Tribunal de Justiça. Privilegiou-se a decisão de primeira instância, a mais acertada no caso concreto.