21 setembro 2012

Considerações sobre o curador especial no processo civil

Para o aperfeiçoamento da relação jurídica processual, a citação do réu é condição essencial, é um verdadeiro pressuposto de validade do processo. Por isso, o Código de Processo Civil entendeu necessário definir a citação e o fez no art. 213, com a seguinte redação: “Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender”.

Essa definição é alvo de críticas severas da doutrina, basicamente porque o réu não é chamado ao processo o propósito de apresentar defesa. Primeiro porque a apresentação de resposta é uma faculdade do réu, que estará sujeito ao ônus da revelia, mas não se obriga a apresentar contestação ou qualquer outra resposta. Segundo porque é possível o comparecimento ao feito com outros objetivos, como o de reconhecer a procedência do pedido do autor, por exemplo.

Assim, entendendo que a citação é apenas o ato de comunicação que informa ao réu que uma ação foi proposta e ele figura no pólo passivo da relação processual, o projeto do novo CPC tenta corrigir o equívoco redacional, definindo o ato assim: “Art. 195. A citação é o ato pelo qual se convocam o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”. Essa “integração” ocorre pela ciência dada ao réu, não por seu comparecimento efetivo aos autos.

Para que a citação possa cumprir sua função o legislador previu quatro modalidades: citação pelo correio, por oficial de justiça, por edital ou por meio eletrônico. As duas primeiras visam a entrega pessoal do mandado citatório ao réu ou quem o represente, no caso de pessoas jurídicas ou incapazes, por exemplo. A última ocorrerá em casos previstos na lei de informatização do processo judicial (Lei nº 11.419/06). Nesses casos é possível afirmar que a citação é real

A via excepcional do edital ocorrerá quando o réu for desconhecido ou incerto, quando o lugar em que se encontrar for ignorado, incerto ou inacessível e nos demais casos expressos em lei (art. 231, CPC). Trata-se de exceção à idéia da citação pessoal, porque dadas as circunstâncias especiais, não pode ser realizado pelo correio ou oficial de justiça.

Essa modalidade é classificada doutrinariamente como citação ficta ou presumida, porque haverá dúvida sobre a efetiva leitura do edital e numa eventual inércia do réu não se pode afirmar que foi escolha sua (já que é um ato voluntário) ou não o fez por não tomar conhecimento da publicação.

A mesma classificação é aplicada à conhecida citação por hora certa, regulada pelos artigos 227 a 229, do CPC. Nela o oficial de justiça nem sempre consegue citar pessoalmente o réu, limitando-se a intimar alguém da família ou vizinho da realização das diligências visando o cumprimento do mandado. Aqui também haverá dúvida se houve efetiva comunicação ao réu.

Em casos assim o CPC determina que o juiz nomeie curador especial para defesa dos interesses do revel citado presumidamente (art. 9º, II). Tal nomeação recai normalmente sobre um advogado que deverá apresentar contestação, ainda que suas alegações sejam genéricas, porque é natural que não possua elementos concretos para realizar a defesa do revel.

Há aqui uma verdadeira exceção ao ônus da impugnação específica que vigora entre nós para a contestação e exige que o réu impugne cada um dos fatos alegados pelo autor, sob pena de presunção de veracidade.   

O principal argumento constitucional para esse mecanismo é o princípio do contraditório (art. 5º, LV, CF), que exige que as partes sejam informadas de todos os atos praticados no processo para poderem reagir àqueles em que houver interesse processual. Em síntese, o contraditório obriga a comunicação dos atos para possibilitar a reação. Mas se há dúvida quanto à efetiva comunicação, a mesma garantia exige que ao réu seja nomeado curador para defesa de seus interesses.

Outro caso de nomeação do curador especial está contida no mesmo inciso II, mas não está ligada à citação presumida e, sim, à hipótese de réu preso. Em casos tais, mesmo que citado pessoalmente, a sua condição não lhe permite as providências que tomaria caso estivesse em liberdade, como contratar advogado, reunir documentos etc., num autêntico caso de hipossuficiência que exige do Estado a mencionada providência.

Hipótese rara, mas interessante, surgiu recentemente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: o réu foi citado pessoalmente, mas foi preso no transcorrer do prazo para contestação.

Numa primeira leitura a nomeação de curador especial deveria ser afastada, já que a citação se deu pessoalmente e o réu só foi privado de sua liberdade após o início da contagem do prazo para contestação. Esse foi o entendimento do juiz de primeiro grau e do Tribunal de Justiça do Paraná.  

Porém, acertadamente, a Quarta Turma do STJ (REsp nº 1032722-PR, j. 27/08/2012) entendeu que a prisão posterior à citação pessoal “atrai” a nomeação do curador especial, porque embora não se enquadre exatamente nas hipóteses do art. 9º, o caso concreto demonstra uma flagrante diminuição do poder do réu de defender-se, já que privado de sua liberdade. A prisão posterior foi compreendida pelo STJ como “caso fortuito“ que indica uma interpretação diferenciada do dispositivo em comento.

04 setembro 2012

Interceptação telefônica no processo civil: admissibilidade excepcional

A Lei nº 9.296/96 autoriza a realização de interceptação telefônica no âmbito penal, desde que a ordem emane de juiz competente e tenha sido requerida pela autoridade policial (na investigação criminal) ou pelo representante do Ministério Público (tanto na investigação quanto na instrução penal). Para tanto, o requerente deve demonstrar indícios razoáveis de autoria ou participação na infração, a excepcionalidade da interceptação e que o fato investigado constitua infração punida com pena de reclusão.

Percebe-se claramente que a intenção do legislador foi permitir essa medida excepcional – que também pode atingir o fluxo de comunicações em sistemas de informática – apenas para o ambiente penal, em sede de procedimento investigatório ou em juízo.

No entanto, em julgado de 2011 (HC 203.405-MS) o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a medida também pode ser aplicada ao processo civil. No caso concreto, o juiz da 4ª Vara de Família de Campo Grande autorizou a quebra de sigilo telefônico de um pai que ocultou o filho menor, frustrando as várias ordens de busca e apreensão emanadas daquele juízo. O tribunal fundamentou que, embora a discussão se dê em âmbito cível, há fortes indícios também da prática do delito previsto no art. 237, do ECA.

O caso chegou ao STJ porque os responsáveis pelo cumprimento da ordem do juízo de primeiro grau questionaram a possibilidade de aplicação da Lei nº 9.296/96 no processo civil. Receosos de que sua recusa pudesse incorrer em crime de desobediência, impetraram habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que negou a ordem sob o argumento de que a interceptação na seara extrapenal é possível, “quando nenhuma outra diligência puder ser adotada, mormente quando há possibilidade de se averiguar o possível cometimento do delito disposto no art. 237, do ECA”.

Ponderou, ainda, que se de um lado está o direito à intimidade daqueles que terão seu sigilo quebrado, de outro existe a necessidade de se resguardar o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária do menor.

O Superior Tribunal de Justiça negou a ordem por entender que não há nenhum indício de que a liberdade dos impetrantes estivesse ameaçada. Além disso, embora nobres os argumentos que inspiraram o HC, a medida adotada pelos pacientes resguardava direito de terceiro, ou seja, do pai que oculta o filho e se recusa a cumprir as ordens de busca e apreensão.

Porém, o que mais interessa neste ensaio é a decisão do STJ que reconheceu a possibilidade de aplicação da interceptação telefônica no âmbito cível, utilizando-se do argumento de que “há que se proceder à ponderação dos interesses constitucionais em conflito, sem que se possa estabelecer, a priori, que a garantia do sigilo deva ter preponderância”.

Ao adotar esse posicionamento o STJ acolhe tese levantada por Luiz Guilherme Marinoni desde o início da década de 1990, quando defendia a aplicação do princípio da proporcionalidade, surgido no direito alemão, para justificar a admissão de provas ilícitas no processo, desde que dois direitos dignos de tutela estivessem em colisão. Defende o processualista que em casos tais impõe-se um “balanceamento dos valores em jogo”, para que o dogma da inadmissibilidade absoluta das provas ilícitas (art. 5º, LVI, CF) não prejudique outros direitos igualmente garantidos na Constituição.

Nos termos defendidos por Marinoni, a aceitação de uma prova ilícita depende de um fator preponderante: “ser o único meio de realização de valores dignos de proteção em confronto de outros também merecedores de tutela, como, por exemplo, o direito à intimidade”. Trata-se, em suas palavras, de um estado de necessidade processual (In: Novas linhas do processo civil, RT, 1993, p. 169-170).

A decisão do STJ está em consonância com a tese, embora não se discuta a licitude da interceptação, garantida pela Lei nº 9.296/96. O que se poderia discutir é sua aplicação no processo civil, mas não havendo outro meio disponível para a descoberta de informações, a medida extrema se impõe. Ademais porque no caso concreto há a necessidade de ponderar dois valores constitucionalmente garantidos: o direito à intimidade do pai e os direitos fundamentais do menor.

Nessa ponderação deve-se levar em conta que o Estado deve promover, com prioridade absoluta, a proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente (art. 227, CF). Logo, no caso em análise, é um valor que deve prevalecer ao da preservação da intimidade.

Essa realidade pode parecer estranha aos mais acostumados com o formalismo do direito processual. No entanto, uma interpretação sistemática de todo o fenômeno legitima essa possibilidade. Aliás, é uma tendência no processo civil brasileiro, porque o Projeto do novo CPC acolhe a possibilidade de admitir-se até mesmo a prova ilícita em caráter excepcional: “A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz á luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos” (parágrafo único, art. 257).

29 agosto 2012

A limitação ao litisconsórcio multitudinário

O litisconsórcio facultativo, aquele condicionado à conveniência do autor, é disciplinado no art. 46 do CPC, que exige para sua configuração: a comunhão de direitos ou obrigações relativas à lide; que os direitos ou obrigações derivem de um mesmo fundamento de fato ou direito; a conexão entre as causas pelo objeto ou pela causa de pedir; a afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.

Ao permitir a pluralidade com certa facilidade, o legislador pretendeu valorizar a economia processual, evitando que inúmeras ações sejam propostas para o julgamento de questões que podem ser decididas por sentença única. Privilegia-se a celeridade, dando cumprimento à garantia constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).

Não quer dizer, no entanto, que a formação do litisconsórcio facultativo (ativo ou passivo) sempre atenderá ao ideal do legislador. Imaginemos uma ação em que figurem como réus cinqüenta pessoas, cada uma delas com procurador distinto. Provavelmente haverá entraves procedimentais que não atenderão aos critérios de celeridade esperados. Trata-se do conhecido litisconsórcio multitudinário, expressão cunhada por Dinamarco para indicar a possibilidade de uma verdadeira “multidão” ocupando um dos pólos da ação.

Em casos assim, o próprio art. 46 do CPC, em seu parágrafo único, permite ao juiz da causa limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes quando este “comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa”.

É certo que desde o despacho da inicial deve o juiz atentar-se para a conveniência do litisconsórcio facultativo, mas deve fazê-lo de ofício apenas pelo fundamento da celeridade. Isso decorre da própria redação da segunda parte do dispositivo mencionado: “O pedido de limitação interrompe o prazo para a resposta, que recomeça da intimação da decisão”.

Assim, nos casos de limitação do litisconsórcio em sendo considerada a dificuldade para a defesa a iniciativa é dos réus, não podendo o juiz reconhecê-la de ofício, o que lhe daria a condição de “questão de ordem pública”, classificação que entendemos cabível apenas aos temas relacionados às condições da ação e aos pressupostos processuais. Nesse sentido decide o STJ, como no REsp. nº 600.156-PR. 

Pensando assim, o requerimento deve anteceder a resposta, porque seria ilógico alegar dificuldade de defesa e ao mesmo tempo apresentá-la ou apresentá-la logo em seguida (preclusão lógica). Injustificável até mesmo porque o prazo será interrompido, não trazendo qualquer prejuízo aos sujeitos passivos.

Outra questão importante refere-se ao momento limite para que o juiz da causa tome a decisão de limitar o litisconsórcio facultativo. Se desde o despacho deve estar atento à garantia da duração razoável do processo, qual seria o limite procedimental para essa tomada de decisão? Poderia o juiz fazê-lo a qualquer momento? Entendemos que não, embora o CPC seja omisso nesse aspecto e a doutrina pouco se preocupe com o tema.

Parece razoável concluir que a celeridade não é justificativa absoluta, que autorize decisão a qualquer tempo, nem é absoluto pensar que sempre a limitação do litisconsórcio multitudinário será benéfica.

Na hipótese de limitar o litisconsórcio facultativo ativo para dar celeridade ao feito não é necessária a manifestação do sujeito passivo. Portanto, entendemos que pode o juiz fazê-lo antes da citação do réu, pois já tem condições de verificar as dificuldades causadas pela presença de múltiplos autores.

Quanto ao litisconsórcio facultativo passivo, pode o juiz limitá-lo desde o despacho inicial sob o fundamento da celeridade. Mas, sob o argumento da dificuldade de defesa, deve aguardar a alegação por parte dos réus e respondê-la de imediato, permitindo que se recomece a contagem do prazo para a contestação.

Uma última hipótese é possível: a percepção do juiz de que o litisconsórcio prejudica a celeridade do feito somente após o recebimento da contestação.

Em casos tais, nada impede a limitação, embora exija do juiz uma fundamentação mais rigorosa. Porém, a decisão deve vir num momento tal que não piore a situação dos envolvidos, porque a exclusão de litisconsortes gera a propositura de nova ação, podendo essa solução ser pior do que a manutenção do litisconsórcio multitudinário.

Parece adequado que o juiz não deixe ser ultrapassada a fase de saneamento do processo para manifestar-se sobre o tema. Após isso, qualquer decisão limitadora do litisconsórcio até pode contribuir com a celeridade, mas trará prejuízos ainda maiores aos envolvidos, especialmente ao seu direito à tutela jurisdicional efetiva.

21 agosto 2012

Sobre a aplicação do art. 273 do CPC em questões possessórias

O Código de Processo Civil destina um capítulo próprio para as ações possessórias (arts. 920 a 933), prevendo procedimentos especiais para os casos de manutenção e reintegração de posse e para o interdito proibitório. Para os dois primeiros casos (manutenção e reintegração), a adoção desse rito especial está condicionada à presença da posse nova, isto é, aquela não superior a ano e dia (art. 924). No mesmo dispositivo o CPC determina que para as hipóteses de posse velha deve ser adotado o procedimento ordinário, não perdendo, porém, o caráter possessório. Não há dúvida, apesar da omissão do dispositivo, que o procedimento sumário também pode ser adotado, dependendo do valor da causa (art. 275, I).

Se for caso de adoção de um dos procedimentos especiais (posse nova), o legislador previu a concessão de liminar, desde que na petição inicial o autor demonstre: a sua posse, a turbação ou esbulho praticado pelo réu, a data da turbação ou do esbulho, a continuação da posse na ação de manutenção ou a perda da posse na ação de reintegração (art. 927).

Quando foi criado em 1973, o CPC remetia para o procedimento ordinário os casos em que o legitimado ativo deixava escoar o prazo de ano e dia sem tomar nenhuma providência. Perdia, portanto, o direito a um procedimento mais célere e à tutela concedida liminarmente, já que não havia essa hipótese no procedimento comum.

Com a generalização da técnica antecipatória pelo art. 273 a partir das reformas de 1994, todas as ações de conhecimento podem receber decisões liminares, desde que preenchidos os requisitos exigidos por esse dispositivo. Assim, até mesmo em sede de ações ordinárias para discussão da manutenção ou reintegração de posse velha tem lugar a tutela antecipada, não havendo em nosso sentir nenhum argumento para excluir esse raciocínio.

Assim, identificamos dois tratamentos diversos quanto aos requisitos para a liminar possessória: se estivermos lidando com o procedimento especial, basta a demonstração do que é exigido pelo art. 927, que em termos comparativos com os requisitos do art. 273 correspondem à prova inequívoca e à verossimilhança da alegação, presumindo-se o perigo da demora por se tratar de posse nova. Mas, para a antecipação da tutela em rito ordinário (posse velha) deverá o autor demonstrar também o receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, inciso I).

É a posição da doutrina majoritária: “O que varia, conforme tenha ou não passado ano e dia, é o procedimento, ou melhor, são as técnicas processuais cabíveis para tutela do direito à posse. Atualmente, o que varia é apenas o emprego da técnica antecipatória, que, quando passado ano e dia, exige, além dos requisitos do art. 927 do CPC, a demonstração de uma situação de urgência” (MARINONI e ARENHART, Procedimentos especiais, RT, p. 95).

Mas num julgado recente o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aplicou entendimento restritivo em ação de reintegração de posse em trâmite pela comarca de Paraty. No caso concreto discute-se a posse de uma fazenda cuja disputa teve início em 1983. Em primeiro grau o juiz concedeu a tutela antecipada porque presentes os requisitos do art. 273, caput e inciso I, do CPC. Em agravo de instrumento a 15ª Câmara Cível do TJRJ revogou a tutela por entender que “a liminar de cunho satisfativo só pode ser concedida quando a demanda possessória for aforada no prazo de ano e dia, de acordo com o art. 924 do CPC”. Tal decisão originou Recurso Especial para o STJ com fundamento nas alíneas "a" e "c", do art. 105, III, da CF.

Ao dar provimento ao REsp. nº 1.194.6489-RJ o Superior Tribunal de Justiça aplicou entendimento da melhor doutrina, além de precedentes do próprio tribunal, determinando que “(...) É possível a antecipação de tutela em ação de reintegração de posse em que o esbulho data de mais de ano e dia (posse velha), desde que presentes os requisitos que autorizam a sua concessão, previstos no art. 273 do CPC, a serem aferidos pelas instâncias de origem”.

Frise-se que o recurso não decidiu se os requisitos para o deferimento da tutela antecipada estavam presentes, o que configuraria uma decisão sobre a justiça da decisão, matéria fática que escapa às hipóteses de Recurso Especial. No caso em análise, o STJ deu provimento ao recurso por entender que a decisão do TJRJ violou diretamente um dispositivo da lei federal (art. 273, CPC), interpretando-o também de forma divergente em relação a outros tribunais, inclusive o próprio Superior Tribunal de Justiça. Privilegiou-se a decisão de primeira instância, a mais acertada no caso concreto.

23 julho 2012

O TCC e seu primeiro desafio: a definição do tema

Ao longo de dezesseis anos de docência tenho presenciado um problema que sempre se repete nos últimos meses do Curso de Direito: a preocupação exagerada de bacharelandos pelos aspectos formais do trabalho conclusão de curso (TCC).
 
As regras da ABNT ou do regulamento interno da instituição são alçadas a um grau de importância que não merecem, porque não são – na essência – os aspectos metodológicos mais importantes. Tanto é assim que há prestadores de serviço especializados nessa tarefa, indicando que não é preciso pertencer ao meio acadêmico para adequar um trabalho aos padrões formais exigidos.
 
O que o acadêmico de Direito precisa quando inicia sua preparação para o TCC é “pensar metodologicamente”. E o que isso significa? Que é preciso planejar seu trabalho para que ele se desenvolva de forma coerente em termos científicos. Para tanto, é fundamental algum esforço inicial porque, ao contrário do que podem pensar os menos avisados, não se conseguirá escrever uma página sequer sem essa etapa inicial de planejamento.
 
Por isso o projeto científico tem uma importância muito grande no desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso. E para sua elaboração devemos seguir etapas simples de raciocínio científico, que se cumpridas irão facilitar muito a vida do estudante.
 
O primeiro passo é a definição da área temática do trabalho. E nesse momento é indicada a conjugação de três verbos: gostar, dominar e utilizar.
 
Em resumo: deve o aluno escolher uma área da qual goste, porque é frustrante escrever sobre algo fora de seu interesse; que tenha domínio sobre o assunto a ser tratado, porque no tempo disponível para a confecção do trabalho a tarefa de “aprender” torna-se muito complexa e dificultaria todo o planejamento; e que o tema lhe seja útil de alguma forma na vida profissional que está próxima, porque dedicar meses de estudo e esforço a uma tarefa que não se aproveitará é perder um precioso tempo.
 
Depois de definir esse primeiro ponto genérico, passa-se à definição do assunto, que é uma delimitação mais precisa a partir da área escolhida. Por exemplo, se escolheu o Processo Civil como área, pode escolher o “cumprimento de sentença” como assunto. Mas, isso ainda não é suficiente, porque assunto não se confunde com tema, pois esse último pressupõe um teor científico que aquele não tem.
 
Quando é definido o “cumprimento de sentença” para ser tratado no trabalho tem-se apenas um assunto. Mas quando a discussão é reduzida para a possibilidade de sua aplicação nos casos de obrigações alimentícias, tem-se algo muito próximo de um tema. E qual a diferença? No tema há necessariamente uma problematização, uma indagação a ser respondida no decorrer do trabalho. Se essa problematização não está presente não se pode atribuir caráter científico ao trabalho.
 
No exemplo proposto, o tema poderia ser assim definido: o cumprimento de sentença nas obrigações alimentícias. E como sugestão de problematização, para dar caráter científico à pesquisa: é possível a aplicação das regras de cumprimento de sentença nas obrigações alimentícias definidas por sentença judicial?
 
Essa pergunta é o cerne de todo o trabalho; a busca pela resposta, o seu objetivo. Se o TCC apenas menciona aspectos legislativos, doutrinários e jurisprudenciais em torno do assunto, não há que se creditar cientificidade a ele.
 
É claro que existem textos jurídicos que não necessitam desse rigor científico. Um livro de doutrina, por exemplo, trata de tantos aspectos que é praticamente impossível a fixação de um problema. Mas em se tratando de um trabalho de conclusão de curso torna-se fundamental demonstrar uma investigação pautada num projeto bem estruturado, com objetivos bem definidos e com resultados (resposta à problematização) demonstrados com clareza.

13 julho 2012

Participação em banca examinadora - Especialização

No último dia 11 de julho tive o prazer de participar de uma Banca Examinadora do curso de Especialização em Direito da Administração Pública, da Universidade Federal de Uberlândia - UFU.

O convite me foi gentilmente feito pelo ex-aluno e hoje Advogado Douglas Davi Pena, que escreveu sua monografia com o tema A Emenda Constitucional 45 e a competência para processar e julgar as demandas entre o Poder Público e seus servidores. Segundo Douglas o trabalho será aprimorado visando publicação em periódico especializado e apresentação em evento científico que acontecerá em outubro. 

Participaram da banca os professores Magno Luiz Barbosa (que foi também orientador do trabalho) e Thiago Paluma.

24 junho 2011

Críticas ao Projeto do novo CPC (ou o fim do conto de fadas!)

A conclusão do Projeto para um novo CPC foi cercada de muita euforia e entusiasmo, mas esse sentimento parece estar diminuindo a passos largos.

Todos que trabalham com o Direito, tanto acadêmicos quanto profissionais, sabem que o problema da morosidade judicial não está ligado unicamente à legislação. É certo que em muitas situações o CPC não colabora com a duração razoável do processo, mas sua modificação ou substituição não fará com que o processo civil brasileiro seja célere. Esse problema tem raízes mais profundas, especialmente ligadas à falta de estrutura do Judiciário (que não consegue acompanhar em estrutura o desenvolvimetno da sociedade brasileira), à mentalidade demandista do brasileiro (aqui também incluídos advogados, juízes e integrantes do MP), dentre outros motivos. 

As inúmeras reformas do CPC - desencadeadas a partir de 1994 - modernizaram sobremaneira nossa legislação, ao mesmo passo em que dificultaram a compreensão do Código enquanto sistema por criar uma "colcha de retalhos" em seu texto. Particularmente, tive a impressão de que em alguns casos faltariam letras do alfabeto para contemplar as modificações!

Essas alterações foram extremamente úteis, mas não causaram o efeito esperado, porque os problemas de fundo, aqueles que somente podem ser resolvidos com a mudança de mentalidade dos responsáveis pelas soluções, não foram atacados diretamente. Continuamos a ter um Judiciário lento, que não consegue ser eficiente.
A proposta de um Novo CPC foi encarada como a solução para todos os males - assim como o Biotônico Fontoura e a pomada Minâncora em outros tempos. Doce ilusão!

Ao contrário, pode ser um instrumento perigoso porque dá ao Judiciário ferramentas poderosas que, num cenário diferente, poderiam ser muito úteis à efetividade da prestação jurisdicional. Porém, na realidade brasileira, as condições de trabalho não permitirão ao Judiciário o exercício razoável de seus "novos" poderes. Um risco à segurança jurídica.

No último dia 20 de junho, num encontro realizado na FIESP, as cartas foram postas à mesa como ainda não haviam sido. Aliás, diga-se de passagem, uma reação típica da tradição brasileira, porque só vieram agora porque o CPC não foi aprovado em razão da lentidão do Congresso, que tem questões mais importantes para discutir, como o misterioso Código Florestal ou a briga pelo valor do salário mínimo. Nessa caso, a lentidão vai propiciar um debate tardio, mas importante.

Para não ser demasiadamente longo, sugiro a leitura da reportagem de Marília Scriboni, para o Consultor Jurídico (clique aqui).

Em síntese, finalmente alguém teve a coragem de dizer que o CPC não resolverá os problemas que hoje temos, dentre outras coisas, se a estrutura responsável pelo processo, por seu "impulso oficial" não for modernizada. Essa é uma constatação que Francesco Carnelutti já havia feito na metade do século XX:

“(...) Os interessados, ou seja, entre os técnicos do processo, juízes, advogados e partes, têm a consciência de que o mecanismo funciona mal. Esta consciência aflora ocasionalmente nos ambientes legislativos, mas quase nunca parece que houve outra coisa a fazer a não ser modificar as leis processuais, sobre as quais costuma-se colocar a responsabilidade do mau serviço judiciário, para empregar uma palavra que já entrou no uso corrente. Também ouvimos falar em reformas urgentes do Código de Procedimento Penal e do Código de Procedimento Civil, e todos parecem acreditar não apenas que com estas reformas o Estado tenha cumprido seu dever, como também que dessas reformas surgirão, Deus sabe como, melhorias na administração da justiça. Tenho o dever de desenganar o público a quem me dirijo, dissuadindo-o de cultivar estas que não seriam esperanças, mas verdadeiras ilusões. Certamente, nossas leis processuais não são perfeitas, mas, em primeiro lugar, são bastante menos más do que se diz; em segundo lugar, se bem que fossem muito melhores, as coisas não andariam melhor, pois o defeito está, muito mais do que nas leis, nos homens e nas coisas.”

Esse é um trecho da obra "Como se faz um processo", que versa sobre a realidade italiana . É uma obra composta de 15 capítulos e escrita em linguagem simples para o leigo. Foi uma compilação de vários programas de rádio que Carnelutti fez à época.

Aguardemos o desenrolar da discussão. O certo é que o conto de fadas já não é tão bonitinho!

22 março 2011

Resenha literária

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 1442 p.

O primeiro contato que tive com a obra do Prof. Elpídio Donizetti foi em junho de 1999, quando ministrava aulas numa instituição do interior goiano. Ao falar sobre o tema “citação ficta no procedimento monitório”, mencionei que poucos autores tratavam do tema, quando uma aluna me mostrou a primeira edição do Curso didático, ainda publicado pela Del Rey. Alguns dias depois recebi um exemplar devidamente autografado, porque a aluna em questão era sobrinha do então juiz de direito, hoje desembargador do TJMG.
Desde então a obra só cresceu. Não somente em quantidade de páginas (a primeira edição tinha 592), mas especialmente em profundidade.
Como livro didático, enfrenta tarefa difícil: cuidar num só volume da extensa matéria de direito processual civil em linguagem acessível para o aluno da graduação, cuidando por outro lado de manter a profundidade científica necessária para sustentar os posicionamentos conflitantes da doutrina e jurisprudência. Faz isso com absoluta clareza, sem receio de inovar ou adotar posicionamentos por vezes minoritários.
A obra está dividida em cinco partes, acompanhando a sequência do CPC: Parte I – Teoria Geral do Direito Processual Civil, Parte II – Processo de Conhecimento, Parte III – Processo de Execução, Parte IV – Processo Cautelar e Parte V – Procedimentos Especiais.
O texto, como dito acima, é claro e enfrenta questões polêmicas, trazendo no rodapé das páginas as fontes doutrinárias e jurisprudenciais utilizadas pelo autor e que servem de indicativo ao leitor para leituras complementares. Mas não abusa dessas informações que podem tornar o texto confuso e cansativo.
O livro também é dotado de atrativos importantes ao final dos capítulos, contemplando “quadros esquemáticos” (totalizando 98) que sintetizam a abordagem feita e servirá para consultas rápidas. Além disso, o autor seleciona “jurisprudência temática” relativa ao assunto do capítulo e questões objetivas de concursos para as importantes carreiras jurídicas (juiz do trabalho, juiz federal, juiz de direito, promotor de justiça, defensor público e OAB). Nessas questões o autor não se limita a indicar a alternativa a ser assinalada, mas apresenta justificativa para a escolha.
Embora um livro de processo civil em volume único possa carregar alguma desconfiança em torno de sua qualidade, não é o caso desse Curso didático, pois reúne características essenciais para ser adotado em universidades de todo o país, sem deixar de atender os alunos naquilo que lhes é mais importante nos bancos da graduação.

* Resenha publicada na Revista Brasileira de Direito Processual - RBDPro, nº 72, out/dez 2010.

24 novembro 2010

Apresentado no Senado relatório sobre o novo CPC

A comissão de especialistas encarregada de elaborar o novo Código de Processo Civil (CPC) reuniu-se hoje no Senado para apresentação do relatório do senador Valter Pereira (PMDB-MS). 

O senador Valter Pereira adiantou que seu relatório mantém majoritariamente o texto elaborado pelos juristas, contudo há alterações pontuais sobre questões criticadas nas audiências públicas realizadas nas principais capitais do país. O relatório suprimiu a possibilidade que havia sido dada aos juízes, no texto original, de alterar ou adaptar procedimentos em casos concretos, como aumentar prazos e inverter ordem de produção de provas. As discussões apontaram que isso poderia gerar insegurança jurídica.

Outra mudança diz respeito aos honorários em causas contra a Fazenda Pública, que passam a ser regressivos conforme o valor da causa. Quanto maior a causa, menor o percentual de honorários. Quanto aos mediadores, não há mais a exigência de que eles sejam obrigatoriamente advogados. Profissionais de outras áreas também podem auxiliar a intermediação de uma solução amigável entre as partes.

O ministro Luiz Fux aprovou as mudanças, que, para ele, são “diminutas”. Segundo Fux, o relatório preserva as três linhas mestras do anteprojeto: institui as condições para uma prestação jurisdicional mais ágil; estabelece um processo menos formal que permite uma resposta judicial mais imediata; e fortalece a jurisprudência dos tribunais superiores, que deve nortear a adoção de soluções iguais para casos iguais.

Fonte: site do STJ

13 outubro 2010

Artigo publicado

O artigo Incentivos fiscais às instituições educacionais privadas de ensino superior e o PROUNI, que escrevi em parceria com o Prof. Samuel Menezes Oliveira saiu publicado na Revista Âmbito Jurídico (nº 81 - Ano XIII - ISSN 1518-0360). Esse trabalho já havia sido publicado no dia 29/09, por ocasião do Seminário Temas de Direito Tributário, mas até então disponível apenas para os inscritos no evento.